quarta-feira, dezembro 29, 2010

Contratempos

Sentimentos,
massa homogénea
de histeria e sal
lugares de ausência da ciência
onde nascem sangue, cores, relevos
que já nada têm de mental

Uma terra de tormenta
esquecida por Apolo
escarpa acima, escarpa a baixo
este corpo luta
nesta estrutura imaterial

Por mais estranho que pareça,
o debate faz sentido

quarta-feira, dezembro 22, 2010

Templo

o coração já não batia
mas o relógio ainda tiquetava
nesse dia em que envelheci vinte anos
de uma penada
enganada que fui
- ou que andava -
por um tempo
que me interrogo se será criança
ou um velho de barba

não questionei o valor da vida
das coisas
se somos realmente livres
felizes
não reclamei de nada

a lágrima, essa sim, rolava
pelo meu rosto sem atrito
provavelmente inexpressivo
que reflectia uma alma embebida em tristeza resignada

sexta-feira, dezembro 10, 2010

Carne e osso

Se isto der para o torto
e um dia eu não for mais que uma alma penada
não ajas como se não se passasse nada
revolta-te, chora
e exige ao destino o meu regresso
E não sejas reservado
- quero ouvir e ver o teu nojo do outro lado
Cerra os punhos e esmurra o chão
com máxima indignação
impregna as minhas fotografias com lágrimas
até o sódio corroer a emulsão
Desce a Rua da Saudade
Mais a da Atalaia
sustém-te nas Portas de Sto. Antão
fita as encostas das nossas colinas
e lembra-te de que eu era como elas
- de que eu era elas -
grita que não me perdoarás os hífenes e as gralhas
até eu estar
de carne e osso
ao teu lado deitada

quinta-feira, dezembro 02, 2010

Herbário

O papel impresso
deve ser a matéria mais doce que conheço
Agradeço ao meu livro
estas horas passadas debaixo
do amarelo-dourado verde
quando divindades diversas
provenientes de mitologias
remotas e desconhecidas
cantadas por um poeta desdentado
me povoaram o olhar
por detrás da córnea
e me beijaram o veludo
pela ganga resguardado
permitindo-me escrevinhar estes versos miúdos
que saltaram desta caldeira
onde ultimamente não tem ardido muita lenha