quarta-feira, março 16, 2016

Filha febril

Adio a hora a que me deito
e já hibernas.
Antecipo o tempo de
moldares ao meu ventre os teus joelhos,
assentares nas minhas coxas
os teus pés pequenos e cálidos,
pousares-me nas faces as tuas mãos desenhadas
pela Josefa Ayala,
expirares sobre a minha boca
o teu hálito sem molares
suspirar-te a adoração que te tenho.
Prolongo a saudade só para ter mais dela
e menos horas até à alvorada
e assim ter de retardá-la.
Penso:
o teu pai sofre mais
porque nem o gato ronrona quando não estás.
Concluo:
não tenho gato.

Então enfrento a repulsa ao sono
que nos repara e alenta separadas
em terras com geografia plástica
deitadas sobre o mesmo lençol.

sexta-feira, março 11, 2016

c

O meio-dia corta a todo o comprimento
- nuca e nádegas tombam para trás
  cara e coxas para a frente.
As vísceras expostas primitivas
são anémonas decompostas
bairro de lata que exala salmoura
refeição verminosa macerada
de quem trabalha à jorna.

A morte nunca é prematura ou tardia.
Apenas seja todo do morrente
- indiviso  intacto  inspirado com exemplar comedimento -
o oxigénio nas suas cercanias.
Ninguém parasite a cabeceira
da carnal planta omnívora que,
preparada para devir semente,
nas pétalas pressente os passos
sobre o último vaso.

terça-feira, março 08, 2016

b

A família é um leviatã mesquinho e áspero.
Os homens são ditadores
as mulheres emudecem na hora grisalha.
Não que não ame mas convém-lhe o charme discreto da burguesia
o crapô e séries televisivas devoradas em salas de estar estanques.
Quem insistir na deserção do social-presídio
nada acolhedor e pré-requisitivo
terá de prescindir da franquia.
Rasgue-se a continuidade patriarcal gregária
resignada e desagregadora anímica.
Precipitemo-nos na greta da terra
sejamos espermatozoides
trinquemos um óvulo
medremos no ventre nocturno.

A minha linhagem é a dos amigos,
espécie marsupial atípica com cronologia aleatória
solitários com encontros marcados
- gestei-os e eles gestaram-me.
Temos sangue dourado e isso
nem os deuses.