terça-feira, abril 26, 2016

Caxemira

Findo o turismo nocturno,
entramos no bar do Arsenal
perguntamos
«Café, há? Então são
dois e dois
copos d’água.
Um euro e meio cada?»
têmporas coladas, soluçamos hilárias
«Água morna e suja a preço de cerveja gelada».
Sentadas, roemos a madrugada
a falar de 
familiares prazeres dores fome
com a sobriedade própria da precariedade
- nós, roedoras de bolotas
quais comedores de batatas.

Prometes que
quando ganhares o prémio da editora omnívora
voltaremos a este lugar
encomendarás uma bica uma meia-de-leite um café americano
pagarás com a nota violeta dispensando a demasia.

Regressamos a casa,
o Terreiro do Paço todo água gelada
a violenta lua nada
sangue por moeda de troca
parquímetros abundantes,
pelo que justo era sermos assaltantes.

segunda-feira, abril 04, 2016

e

Na terceira manhã
da terceira semana
do terceiro mês do ano
quando subia a Pascoal de Melo
vi a falecida melhor amiga
da minha mãe falecida.
Afligiu-me pensá-la
sem a sua companhia
- logo a minha mãe,
uma excelente solitária.
Vi no imenso volume do cabelo
grisalho sem tranças da Zulmira
uma nuvem diluviana
e chovi   logo de seguida.
Da mão pendia-lhe o mundo
num saco de plástico,
que não me recordo de vê-la sem carga.
Os pés não caminhavam sobre saltos,
o que sempre acontecia
mas as coisas já não eram as mesmas.
Logrei alcançar o meu bem-amado fantasma
ultrapassei-o silenciosa.
Era forçoso ver-lhe a cara
pelo que pus a minha à banda
para me deparar
nada mais  nada menos
do que com a da Adília.