quinta-feira, maio 02, 2013

Feijão

Vejo este navio na doca de Sta. Apolónia
e penso “é numa coisa destas que vais navegar,
não numa qualquer nau Catrineta,
em ruínas, obsoleta,
votada a ratos, avitaminoses e pragas,
que dessas já houve o que basta.
É numa coisa destas que tens de fazer uma viagem.
Nela não andarás nauseada
e banhar-te-ás em quatro piscinas:
uma ao sol, com bom cinema projectado no seu fundo
de água transparente coberto
e um portentoso bar de vinhos da nossa safra
magicamente suspenso sobre a mesma.
A outra também está descoberta, mas à sombra.
Aí ouvirás música clássica
enquanto devoras sobremesa atrás de sobremesa,
perfumada pelo cheiro do açúcar que carameliza sobre a custarda
É verdade que esta piscina está rodeada de colunas pseudo-bizantinas douradas. Paciência – bem sabes como é apanágio,
nos navios de cruzeiro, haver piroseira.
A terceira é interior, a sua água liberta um luxuriante vapor
com odor cítrico fresco que tudo irá recompor
A quarta é a minha preferida, também está aquecida
e lá decorre uma festa de arromba
com champagne, big band,
livros cujo papel resiste magicamente à água,
e abundam as tuas iguarias preferidas:
queijos, salgadinhos em miniatura,
bolo de morango da Avenida de Roma, gelados italianos
bifes suculentos, batatas fritas belgas ainda a escaldar
e estupidamente estaladiças.
Rimos à gargalhada, dizemos piadas sádicas
politicamente inaceitáveis e descabidas,
entregamo-nos à cretinice e não pedimos desculpa
- não há escrúpulos nem culpas.
Será a sala da Nossa Senhora do Paninho
embalada pelo doce balanço das ondas”

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