Há cinco anos, pelas 19 horas, a minha mãe morria. De súbito e de vez, sem falsos alarmes nem degradação lenta. Sei-o pelo
que encontrei no local do óbito: computadores desligados,
apenas a luz junto à saída acesa e uma única cadeira chegada atrás, a que
ficava mais perto da porta. Nela posou, com atabalhoada urgência, o casaco e a
mala para ir aos lavabos. Sei-o. Sabia-o durante os 45 minutos que passei
de olhos presos à luz paralisada na frincha desde a ranhura da caixa do correio a aguardar a chegada da colega ao escritório, uma garagem térrea adaptada. Quando já não
precisava de ser um envelope para franquear a porta e corri a libertar a
luz arauta, vi-a contorcida sobre a cerâmica, olhos esbugalhados
revirados, a boca num esgar de dentes partidos,
um ânus de treva. A ela, a minha mãe. Percebi a intensidade da convulsão que a
atravessou de uma ponta à outra e que tomou o seu tempo, quem sabe quantos segundos,
minutos.
Até aí, o único horror que conheci foi o medo dos homens.
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