e tu acompanhas-me bem
como o vinho o Inverno
o rádio o trânsito
o cigarro a noite.
Digo-te "E se só me restar este sofrimento?".
Digo-te "Sinto-me um pássaro
ao qual tiraram o ar dos ossos".
Dizes-me "Eu também".
Digo-te "Je ne suis qu'une poétesse faible,
pétasse. Putain,
le capital me porte dans ses carnivores de mains".
Dizes-me "Precisas de constância nos afectos".
Mas se a brisa cálida
a cerveja gélida e
o riso camarada
me acompanhassem sempre
talvez descartasse cumplicidades de almofada
talvez a minha descendência não tivesse de
suportar a minha boca pétrea
os meus olhos ruivos de férreos
as minhas unhas incrustadas de verdete
talvez lhe desse tudo o que a ti te dou, minha vida,
que convocas tudo o que tenho
de mau e de bom.
Filha querida,
urge que percebas que
só fujo de mim
- deste eu esfacelado e químico
deste eu desfigurado, delirante moderado
deste eu trágico
ossos pneumáticos esvaziados
olhos queimados
sexo a um tempo sobrepovoado e deserto
fome e sede cretáceos.
Para M.