terça-feira, outubro 08, 2013

Tecelagem

Apostar num descontrolo tranquilo
e acreditar nele sem pressa
aderir por contacto imperceptível
- quase imobilidade.

O sedimento de uma camisa
de noite de teia aracnoideia,
dura-mater, pia-mater
meníngeo
que, nesta lentidão,
é agente numa epopeia
complacente

como uma pálpebra
que embalasse um olho.

É Outono e a chuva parou.

Antes florimos.
Agora, não passamos de
jardineiros da dor.



segunda-feira, outubro 07, 2013

Non Matter

Human things are to feel

Hummingbirds,
like unicorns,
simply do not exist

Human things are human beings
Human beings are feeling things
Still human
Still beings
Still things

Maybe they
too
do not exist



sexta-feira, outubro 04, 2013

Ataraxia

A translucent ocean
of NOTHINGNESS
is healing my heart
This liquid green thing
lingering
drinking my angel[ic] desire
Porcelain and steel bleed
      warming me
- this marble daughter



quinta-feira, outubro 03, 2013

Putrefacção

mundo pousado
sobre uma pedra
de gelo amolecido
baliza incerta
o país é um patim
que rola consoante os petardos
da tríade da prataria
dos donos do visco
e das coisas que cintilam
quando extraídas da mina

bêbedos como medronhos,
seres sem idade
com sexo grevista
e máscara amarrotada
já nem ao nada
se entregam

o que importa que
sempre tenham existido?
agora são às carradas
o planeta dá qual vaca leiteira,
e a economia divertida
enquanto o gelo derrete
nos pólos
e em exorbitantes whiskys


domingo, setembro 29, 2013

Imitação de Anaïs

o entrechocar dos talheres na cozinha
o guindaste içando a viga
o papel branco sobre a secretária
- nada disto eleva os meus pés do chão
  em tremores de terra particulares

quarta-feira, setembro 25, 2013

Casta Diva

Por mais que consertemos este prato
aplicando-lhe gatos, diríamos
que não emitirá mais miados.

Fosse bicho aleijado
seria alvejado
lágrimas chorá-lo-iam
suicidando-se cara abaixo,
enquanto a reverberação do tiro
trepidasse no tímpano.

sábado, julho 27, 2013

Pústula

A perda é uma cócega
insignificante e
pouco incomodativa
Se não lhe tocares,
passar-te-á-sem grande mossa
Mas, se lhe mexeres,
correrás o risco de formares
uma pústula
Purulenta, rebentará, alastrará,
eventualmente, secará,
deixando cicatriz
Não te coces -
há dores que a consciência não suporta
como um cigarro não combusta
num copo de cristal tapado
e ficas ali, a vê-lo
extinguir-se, inoperante
E isso lembra-te a perda
e coças a pústula
e abres a ferida
e acumulas
cicatriz sobre cicatriz.

domingo, julho 21, 2013

Julho sem fogo

Imperial e petiscos com sal,
a lembrar o mar do sul
ou o mar Morto.
É quase Agosto
e não cheira a fogo
que a austeridade consome tudo
- até o oxigénio.
Em S. Bento, Belém
nos largos do Caldas e do Rato,
nada de fumo branco
A Sá da Costa fecha a porta
um popular barbudo
arremessa, da galeria,
um sapato à bancada socialista
- um desperdício, mas o calor
anula o dano.
O país não vai a banhos,
ninguém se vai aos arames
- ainda deve haver comida
para remediados repastos.

Mas eu já passei fome
de comida e, embora
não seja coisa que apeteça,
garanto que, para alguns de nós,
seria imperativo saciar outros apetites
Para o estômago, qualquer migalha
pode ser iguaria.
Para a alma reservo linhas
- da Doris, da Duras e das pautas
de música, que outros
lêem e tocam,
que, para essas, sou analfabeta
Mas continuo desnutrida
Abunda, mais do que o oxigénio,
a fome de cultura.

segunda-feira, julho 08, 2013

Madalena

Saudade apertada
como um abraço no vazio
auto constritivo
resignação complacente
contristada
incógnita sem x
x que não era incógnita
que tinha massa,
volume, corpo, forma,
cabelo brilhante,
pele imaculada
carácter ebúrneo
x que cintilava
que já não é x.
Memória insolúvel.

segunda-feira, julho 01, 2013

Chão

Amarelas, rolam pelo chão.

Parecem mimosas
mas não são.
Deveriam cheirar como tal
mas não.

Quando a alopécia dos jacarandás
fixa as solas ao solo,
eis que aparecem, mimosas,
as flores amarelas incógnitas,
definindo toda a leveza
salvando-nos da decomposição
e da seiva que, neste caso,
não gera nem alimenta,
apenas nos alicerça.