quinta-feira, outubro 17, 2013

Manhã de sol

Quando ouvi aquelas palavras
- que não repetirei -
atirei-me à sua imunda cabeleira pintada.
Puxei-a numa extensão de dois metros
deixando-a depenada.
Pressionei os polegares
sobre os globos oculares
até sentir o fino invólucro
romper-se e o líquido borrifar-me
as articulações hidráulicas
- o nervo óptico aterrorizado
consciente de que não teria mais
utilidade.
Apertei-lhe o pescoço
mas não a deixei inanimada
cega ou com qualquer mácula
porque tudo isto pensei apenas
com o cérebro a abarrotar de cólera.

Sou civilizada. Em pequena,
ensinaram-me inglês, francês,
a gostar de cinema alemão expressionista
e italiano cinquentista, de Monet
e tudo aquilo me parecia coisa
da pequena-burguesia.

Devia conseguir esganar a fulanita
mas todas "as coisas do céu e da terra",
como lhes chamou Shakespeare
e que valem mais que "vã filosofia"
(o que não é mentira)
me impediram.

Crivei os dentes na carne salgada
os olhos resignaram-se à luz do dia
os músculos redescobriam o esforço
as pernas reconciliavam-se com os passos.
Uma entidade qualquer sussurrava-me ao âmago
"Nada de complicado,
aproveita a atenção do traço".

Na boca um sorriso escarninho.
Os pés seguiram caminho.




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