Quando quero desmanchar um nó cego
desembainho um bloco imaculado e desvirgino-o.
Mas o melhor pente que possuo
é viver na casa que era tua.
Lá
deixaste um ar mais informado
talhado para a poesis.
As pontas dos meus dedos tornam-se instrumentos cirúrgicos
que amaciam e desembaraçam os mais emaranhados novelos de cabelo
- isto é, escrevo.
Mas ultimamente surpreendo-me
em busca das flores do teu terraço
que não estão onde moro.
Em sobressalto penso:
tenho de aliciar-te ao teu lar de antanho
convidar-te a passear sobre a velha tábua corrida
que acusa a ausência do teu passo,
das tuas plantas de carne e osso,
e por aqui exales um vapor de água teu oriundo que,
queira o Verbo,
retemperará estes ares
geradores de prestidigitadores.
Para a A. e o J-P.
terça-feira, maio 31, 2016
terça-feira, abril 26, 2016
Caxemira
Findo o turismo nocturno,
entramos no bar do Arsenal
perguntamos
perguntamos
«Café, há? Então são
dois e dois
copos d’água.
Um euro e meio cada?»
têmporas coladas, soluçamos hilárias
«Água morna e suja a preço de cerveja gelada».
Sentadas, roemos a madrugada
a falar de familiares prazeres dores fome
a falar de familiares prazeres dores fome
com a sobriedade própria da precariedade
- nós, roedoras de bolotas
quais comedores de batatas.Prometes que
quando ganhares o prémio da editora omnívora
voltaremos a este lugar
encomendarás uma bica uma meia-de-leite um café americano
pagarás com a nota violeta dispensando a demasia.
Regressamos a casa,
o Terreiro do Paço todo água gelada
a violenta lua nada
sangue por moeda de troca
parquímetros abundantes,
pelo que justo era sermos assaltantes.
segunda-feira, abril 04, 2016
e
Na terceira manhã
da terceira semana
do terceiro mês do ano
quando subia a Pascoal de Melo
vi a falecida melhor amiga
da minha mãe falecida.
Afligiu-me pensá-la
sem a sua companhia
- logo a minha mãe,
uma excelente solitária.
Vi no imenso volume do cabelo
grisalho sem tranças da Zulmira
uma nuvem diluviana
e chovi logo de seguida.
Da mão pendia-lhe o mundo
num saco de plástico,
que não me recordo de vê-la sem carga.
Os pés não caminhavam sobre saltos,
o que sempre acontecia
mas as coisas já não eram as mesmas.
Logrei alcançar o meu bem-amado fantasma
ultrapassei-o silenciosa.
Era forçoso ver-lhe a cara
pelo que pus a minha à banda
para me deparar
nada mais nada menos
do que com a da Adília.
da terceira semana
do terceiro mês do ano
quando subia a Pascoal de Melo
vi a falecida melhor amiga
da minha mãe falecida.
Afligiu-me pensá-la
sem a sua companhia
- logo a minha mãe,
uma excelente solitária.
Vi no imenso volume do cabelo
grisalho sem tranças da Zulmira
uma nuvem diluviana
e chovi logo de seguida.
Da mão pendia-lhe o mundo
num saco de plástico,
que não me recordo de vê-la sem carga.
Os pés não caminhavam sobre saltos,
o que sempre acontecia
mas as coisas já não eram as mesmas.
Logrei alcançar o meu bem-amado fantasma
ultrapassei-o silenciosa.
Era forçoso ver-lhe a cara
pelo que pus a minha à banda
para me deparar
nada mais nada menos
do que com a da Adília.
quarta-feira, março 16, 2016
Filha febril
Adio a hora a que me deito
e já hibernas.
Antecipo o tempo de
moldares ao meu ventre os teus joelhos,
assentares nas minhas coxas
os teus pés pequenos e cálidos,
pousares-me nas faces as tuas mãos desenhadas
pela Josefa Ayala,
expirares sobre a minha boca
o teu hálito sem molares
suspirar-te a adoração que te tenho.
Prolongo a saudade só para ter mais dela
e menos horas até à alvorada
e assim ter de retardá-la.
Penso:
o teu pai sofre mais
porque nem o gato ronrona quando não estás.
Concluo:
não tenho gato.
Então enfrento a repulsa ao sono
que nos repara e alenta separadas
em terras com geografia plástica
deitadas sobre o mesmo lençol.
e já hibernas.
Antecipo o tempo de
moldares ao meu ventre os teus joelhos,
assentares nas minhas coxas
os teus pés pequenos e cálidos,
pousares-me nas faces as tuas mãos desenhadas
pela Josefa Ayala,
expirares sobre a minha boca
o teu hálito sem molares
suspirar-te a adoração que te tenho.
Prolongo a saudade só para ter mais dela
e menos horas até à alvorada
e assim ter de retardá-la.
Penso:
o teu pai sofre mais
porque nem o gato ronrona quando não estás.
Concluo:
não tenho gato.
Então enfrento a repulsa ao sono
que nos repara e alenta separadas
em terras com geografia plástica
deitadas sobre o mesmo lençol.
sexta-feira, março 11, 2016
c
O meio-dia corta a todo o comprimento
- nuca e nádegas tombam para trás
cara e coxas para a frente.
As vísceras expostas primitivas
são anémonas decompostas
bairro de lata que exala salmoura
refeição verminosa macerada
de quem trabalha à jorna.
A morte nunca é prematura ou tardia.
Apenas seja todo do morrente
- indiviso intacto inspirado com exemplar comedimento -
o oxigénio nas suas cercanias.
Ninguém parasite a cabeceira
da carnal planta omnívora que,
preparada para devir semente,
nas pétalas pressente os passos
sobre o último vaso.
- nuca e nádegas tombam para trás
cara e coxas para a frente.
As vísceras expostas primitivas
são anémonas decompostas
bairro de lata que exala salmoura
refeição verminosa macerada
de quem trabalha à jorna.
A morte nunca é prematura ou tardia.
Apenas seja todo do morrente
- indiviso intacto inspirado com exemplar comedimento -
o oxigénio nas suas cercanias.
Ninguém parasite a cabeceira
da carnal planta omnívora que,
preparada para devir semente,
nas pétalas pressente os passos
sobre o último vaso.
terça-feira, março 08, 2016
b
A família é um leviatã mesquinho e áspero.
Os homens são ditadores
as mulheres emudecem na hora grisalha.
Não que não ame mas convém-lhe o charme discreto da burguesia
o crapô e séries televisivas devoradas em salas de estar estanques.
Quem insistir na deserção do social-presídio
nada acolhedor e pré-requisitivo
terá de prescindir da franquia.
Rasgue-se a continuidade patriarcal gregária
resignada e desagregadora anímica.
Precipitemo-nos na greta da terra
sejamos espermatozoides
trinquemos um óvulo
medremos no ventre nocturno.
A minha linhagem é a dos amigos,
espécie marsupial atípica com cronologia aleatória
solitários com encontros marcados
- gestei-os e eles gestaram-me.
Temos sangue dourado e isso
nem os deuses.
Os homens são ditadores
as mulheres emudecem na hora grisalha.
Não que não ame mas convém-lhe o charme discreto da burguesia
o crapô e séries televisivas devoradas em salas de estar estanques.
Quem insistir na deserção do social-presídio
nada acolhedor e pré-requisitivo
terá de prescindir da franquia.
Rasgue-se a continuidade patriarcal gregária
resignada e desagregadora anímica.
Precipitemo-nos na greta da terra
sejamos espermatozoides
trinquemos um óvulo
medremos no ventre nocturno.
A minha linhagem é a dos amigos,
espécie marsupial atípica com cronologia aleatória
solitários com encontros marcados
- gestei-os e eles gestaram-me.
Temos sangue dourado e isso
nem os deuses.
quarta-feira, dezembro 09, 2015
5 anos
Há cinco anos, pelas 19 horas, a minha mãe morria. De súbito e de vez, sem falsos alarmes nem degradação lenta. Sei-o pelo
que encontrei no local do óbito: computadores desligados,
apenas a luz junto à saída acesa e uma única cadeira chegada atrás, a que
ficava mais perto da porta. Nela posou, com atabalhoada urgência, o casaco e a
mala para ir aos lavabos. Sei-o. Sabia-o durante os 45 minutos que passei
de olhos presos à luz paralisada na frincha desde a ranhura da caixa do correio a aguardar a chegada da colega ao escritório, uma garagem térrea adaptada. Quando já não
precisava de ser um envelope para franquear a porta e corri a libertar a
luz arauta, vi-a contorcida sobre a cerâmica, olhos esbugalhados
revirados, a boca num esgar de dentes partidos,
um ânus de treva. A ela, a minha mãe. Percebi a intensidade da convulsão que a
atravessou de uma ponta à outra e que tomou o seu tempo, quem sabe quantos segundos,
minutos.
Até aí, o único horror que conheci foi o medo dos homens.
segunda-feira, dezembro 07, 2015
segunda-feira, junho 08, 2015
Violadores de Piauí
Os nossos corações de mercúrio
abominam os campos de Iaru,
os nossos falos repugnam conos
desde o vale ao delta do Nilo,
os dedos comem signos,
aniquilam fêmeas
mas deixam vestigia
até mãos alheias nos remeterem
à balança infalível da psicostasia.
abominam os campos de Iaru,
os nossos falos repugnam conos
desde o vale ao delta do Nilo,
os dedos comem signos,
aniquilam fêmeas
mas deixam vestigia
até mãos alheias nos remeterem
à balança infalível da psicostasia.
segunda-feira, novembro 24, 2014
Faquir
Estas palavras:
«Agora batia-te e depois
dizia-te que a isso me levavas».
Um dia ouvi estas palavras.
Inventei então uma copa
infinita,
cópulas fundistas oriundas
do país dos ilusionistas
com hermafroditas
sagitários
enfim bestiários botânica parasitária
um metropolitano opiáceo
com carruagens almofadadas
túneis grená onde viajava
numa imobilidade
ensimesmada
de modo a não sentir o arrepio.
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